O Universo Cinematográfico Marvel (MCU) se viu perdido após o super climático evento em Ultimato. A overdose de filmes anuais saturou o público, além da notória falta de inspiração do estúdio que pareceu entrar no automático e esquecendo o que fez de seus filmes algo tão atrativo ao público. Após puxar o freio da grande leva de lançamentos e reformular algumas ideias após as polêmicas envolvendo Jonathan Majors, então pilar do que seria a próxima saga, eis que surge Thunderbolts, trazendo um grupo deslocado de mercenários para o centro das aventuras Marvel sob direção de Jake Schreier (“Frank e o Robô”, “Cidades de Papel”) e videoclipes da indústria pop.
A DC já tinha mostrado que retratar anti-heróis podia ser o caminho para o respiro com o ótimo “Esquadrão Suicida” (2016) e a série do Pacificador, mas a Marvel nunca tinha apostado em suas figuras controversas em grande escala. Com Thunderbolts, o estúdio não só joga luz a uma nova equipe, como também consegue oferecer ao público uma aventura coesa, divertida e verdadeiramente ousada dentro do que os padrões Marvel costumam oferecer.
O roteiro de Eric Pearson e Joanna Calo traz Florence Pugh, interpretando Yelena Belova aceitando uma missão dada por Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), que acaba colocando a guerreira em confronto com o Agente Americano/John Walker (Wyatt Russell), a Treinadora (Olga Kurylenko) e Ava Starr/Fantasma (Hannah John-Kamen). Percebendo a manipulação de Valentina para eliminar provas de seus crimes, incluindo os agentes obscuros, eles não veem outra forma de escapar da situação a não ser unindo forças, mesmo contra a vontade.

Se a Marvel fez de maneira porca até aqui a inserção de novos personagens superpoderosos como Eros e Adam Warlock, no novo filme acerta em cheio com Bob, o Sentinela (Lewis Pullman). O personagem, querido dos fãs das HQs, enfrenta problemas para ser bem utilizado até em sua mídia original, visto que a descrição de seus poderes o coloca ao lado de uma versão do Superman da Casa das Ideias, mas mesmo como aliado ou ameaça em um filme de equipe que não tem grandes poderes como característica, os roteiristas conseguiram desenvolver bem o personagem e tornar crível sua presença dentro do escopo menos megalomaníaco do filme.
Mais do que terem habilidades especiais, o que define cada um dos protagonistas de Thunderbolts é a culpa e a busca por redenção. Yelena é uma assassina treinada desde a infância para trair e matar, que busca reconexão com o próprio pai, interpretado pelo divertidíssimo David Harbour, que, por sua vez, mergulhado no sentimento de fracasso e saudosismo de seus tempos de glória na União Soviética, se esconde atrás de um jeito bonachão para camuflar a visível decadência.
O sentimento de depressão e vazio permeia todas as interações entre os personagens e isso é ótimo. Ao jogar lupa sobre a busca por sentido na vida e superação de traumas, a direção de Schreier aponta como maior vilão dos super-seres a necessidade de pertencimento e a incapacidade de mudar o passado, independentemente de suas habilidades físicas.
Toda essa angústia é traduzida no personagem Sentinela, que traz em sua ambiguidade o resumo do que é lidar com o vazio. Bob foi o único sobrevivente de testes escusos feitos por Valentina, que resultou em um humano aprimorado com a força de mil sóis, transmutação da realidade, voo, superforça, mas que é mentalmente instável, ferido por uma infância traumática, vício em drogas e possível esquizofrenia e bipolaridade.
A interpretação de Lewis Pullman como Sentinela confere carisma ao personagem, com ares ingênuos e confusos; a química dele com Florence Pugh norteia a trama principal.
Na verdade, todo o elenco brilha em cena e parece se divertir com a abordagem. Sebastian Stan, com total domínio de seu Soldado Invernal, faz do jeito ranzinza do personagem um ponto de humor bem-vindo, mas sem soar deslocado demais (defeito em muitos filmes da Marvel).
Outro acerto da direção foi a opção por efeitos práticos, se livrando das pavorosas cenas desnecessárias em CGI. Mesmo advindo de experiência em videoclipes, o diretor trouxe cenas de ação bem coreografadas, sem cortes desnecessários, o que combina com o tom sóbrio da equipe.
A disfuncionalidade da equipe segue até o fim, escapando do clichê da galera que fica amiga depois de meia hora. É bem óbvio que eles não querem estar ali e estão buscando preencher seus vácuos como conseguem, mas uma simpatia orgânica é construída justamente por se reconhecerem como fracassados atrás de algo além de matar pessoas e derrubar governos.
Há uma leve pincelada sobre como lidar com pessoas manipuladoras como Valentina, se através das instituições legais ou usando os mesmos meios abjetos que ela, mas, como esperado, o estúdio prefere não aprofundar questões políticas. Ainda assim, é interessante ver um ex-agente da Hydra como Bucky trabalhar como deputado.
Thunderbolts, entre erros e acertos, traz algo que o MCU precisava: um pouco de coragem. Uma narrativa menos focada em armaduras e seres cósmicos e mais no conflito interno de seus personagens vai agradar quem era fã desde o primeiro filme do Homem de Ferro até quem resolveu dar uma chance para uma assistida casual ao filme.
Duas cenas pós-créditos
A primeira envolve o Guardião Vermelho e uma caixa de cereais dos Thunderbolts. A segunda é bem significativa e aponta para a integração de mais uma equipe ao Universo Marvel nos cinemas, além de discutir o futuro dos Novos Vingadores.