MD Chefe surgiu como uma figura singular no cenário do rap nacional. Sua voz grave e flow lentos, narrativas sobre se manter sempre na postura, em atitude e aparência, junto ao visual diferente em relação aos outros rappers do país (cabelo longo e óculos), foram fatores que ajudaram a cativar o público quando ele surge para um público maior em 2021.
Como muitas figuras contemporâneas que surgiram no contexto das redes sociais, a prova da marca que o cantor imprimiu foram os infinitos memes e caricaturas com seu jeito de cantar, falar e se vestir. Afinal, ninguém imita quem não imprime uma imagem única.
Após um período de baixa exposição para se dedicar à família e entender melhor o próprio processo de composição, MD Chefe retorna com “Garbo e Elegância”, álbum produzido em parceria com o renomado produtor Papatinho. O novo trabalho explora referências do west coast club, um subgênero que traduz a atmosfera das boates e reflete o estilo de vida de um rapper no auge da carreira.
“Eu gosto de soltar discos. Eu gosto de contar universos. Eu não gosto de ficar soltando só singles. Eu prefiro soltar, nem que seja um trabalho menor, assim, fechado, de cinco faixas, sete faixas, como é esse, mas eu gosto de contar o universo, trazer profundidade, trazer um estilo pras pessoas se vestirem, trazer uma ideia para as pessoas refletirem”, conta.

Desde a primeira faixa, “Bandeira”, com participações de Leall e Maru, o objetivo do disco fica claro: MD Chefe quer focar no entretenimento e na diversão, buscando agradar a um público amplo, mas sem emular fórmulas de sucesso que não sejam o que o artista acredita.
“Eu falei para o Papato: ‘vamos fazer cheio de ideias maneiras, ideias bonitas, ideias polidas, ideias poéticas, mas vamos fazer um disco focado no público geral’. Com o meu primeiro trabalho de sucesso, que foi o Água de Fita, eu tive uma experiência muito legal, que foi agradável a diversos públicos, com pais e filhos ouvindo juntos. E com esse pensamento eu falei, cara, eu quero levar cada vez mais o rap para uma gama maior de pessoas”, explica MD.
Papatinho e MD trabalharam seis meses para chegar no resultado final de “Garbo e Elegância”. Confinados em estúdio, foram polindo as ideias sem pressa, de forma calma como a fala de MD. O rapper preferiu não saturar seus fãs com o lançamento de inúmeros singles e quis construir o novo disco com máxima coesão. “Toda semana, quase todo dia, a gente chegava 16h da tarde e saía 10h horas da manhã. Podia ter saído bem mais rápido, mas ficamos mexendo bastante nas músicas até chegar num resultado satisfatório. Embora seja um disco rápido, com faixas curtas, ele foi bem pensado e trabalhado. Foi legal, foi bem positivo, eu gosto muito de trabalhar assim, na verdade. Por exemplo, tem faixa que gravamos cinco versões antes de escolher a que entraria no álbum”, conta.

Ao contrário da lógica inserida no atual mercado moldado pela velocidade do TikTok, MD passou o último ano sem lançar dancinhas ou tendências virais. Uma parte do público até deu o rapper como sumido, mas ele conta que precisou pisar no freio para tentar fazer algo que fizesse sentido para si e para os fãs. “Eu queria ter tempo de desenvolver um trabalho, passar tempo de qualidade com a minha filha e a minha mulher. A carreira artística faz a gente ficar muito tempo fora de casa, então eu precisava desse tempo, para viver o amor aqui dentro. O amor é algo que não é só você estar, mas é como você está. Então, o que aconteceu mesmo foi fechar um pouco a agenda de show, porque o show te deixa muito presente, porque sai muito vídeo, muita notícia, e eu também queria poder pensar num show novo”.
“ Eu não gosto só de soltar música, eu gosto de criar tendência. Então eu estava esperando uma nova tendência. Então eu me juntei com o Papatinho porque o público merecia um trabalho grandioso do MD e do Papatinho”
Por sua vez, Papatinho também celebra a parceria em estúdio com o rapper: “O MD me chamou para esse projeto logo depois de lançar o último álbum dele, e o que mais me empolgou foi que, desde o início, ele queria criar algo diferente do que já está rolando na cena. A ideia era sair do óbvio, experimentar novas sonoridades e trazer uma identidade própria para o trabalho. Isso era exatamente o que eu também estava buscando. A gente começou a se encontrar no estúdio e foi se surpreendendo faixa por faixa. Desde o começo, combinamos que nenhuma música seria igual à outra. Misturamos minha produção com a caneta dele e criamos algo único. E o resultado ficou brabo!”.
Como todo artista que vira fenômeno no primeiro trabalho, o desafio de MD Chefe era não ficar preso na emulação da mesma sonoridade que já tinha explorado antes. Questionado sobre como se equilibrar entre o familiar que deu certo e o novo, o artista reflete: “O fato de um cantor ter feito uma parada que deu certo e já muda para outra sonoridade, e o público não ouve porque ela queria um pouco mais de coisa, é uma coisa complexa. Acho que é muito mais uma questão de você conseguir observar a sua carreira, entender o que o seu público está querendo, entender o que o público geral também vai querer ouvir, e testar, né, irmão? A música é uma é uma luta contínua, sabe? É um xadrez contínuo. Então, eu só acho que o artista não pode se desesperar, entendeu? Não pode ter essa vaidade”.
“Eu conto sobre o que acontece na minha vida e sobre a minha vida. Então, quanto mais eu estiver vivendo, quanto mais eu estiver indo a lugares, eu vou ter mais conteúdo. Eu sempre gosto de passar algo novo para as pessoas, como, por exemplo, no próprio ‘Garbo Elegância’, que eu quis inserir a palavra Garbo, que é uma palavra que se perdeu há alguns anos e achei que resgatar seria uma boa, para o jovem buscar também e aprender”
Toda a carreira e música de MD Chefe se baseou no enaltecimento de autoestima de jovens negros. A cena trap/rap atual escolhe fazer isso sob diversas óticas, incluindo um discurso de ostentação bem debatido. Para o músico, sua maneira de passar o recado é direto. “Então eu tenho uma identidade muito firme sobre o que eu sou e sobre o que eu quero passar. Tanto que eu acho que essa autoestima para o homem negro eu passo sem ao menos abrir a boca, sabe? Quando eu chego no ambiente da forma que eu sou, eu já estou passando uma mensagem”, dispara. “O que o MD Chefe é na sua essência é um grito. O MD Chefe na sua essência, ele é um argumento contra o que as pessoas querem negar pra gente, sabe? Então essa é a minha abordagem. Faz sentido pra mim, um homem bonito, um cara elegante, um homem chique, né? Então eu quis passar essa autoestima até mesmo sem precisar falar, né? Então quando eu uso essa voz abençoada que o Altíssimo me deu também é uma afirmação de autoestima”.

Além dos feats contidos em “Garbo e Elegância”, MD aponta outro nome que julga ser autêntico na hora de transmitir a palavra do rap para o público. “Eu acho o Major RD muito autêntico. A forma que ele aborda, ele vai para esse lado do rock, porque o rock começou dos negros. Sim, eu sou bem roqueiro, gosto muito de rock, então quando eu vi o que eles chamam de trap metal, eu fiquei ‘cara, isso aqui é fantástico, é demais’. Isso é trazer de volta o que foi perdido, o que foi tirado”.
O papo termina com MD Chefe deixando a impressão que está longe de ser apenas a caricatura que virou tema de imitação na internet nos últimos anos. Ele sabe o que quer e deseja. Talvez o público ainda precise olhar com mais calma para além dos clipes com whisky na mão e mulheres em volta.
Garbo e Elegância – Faixa a Faixa
ORGULHO DE CRIA
A jornada começa com “Bandeira”, um hino de orgulho e pertencimento. Ao lado de Leall, Maru2d e Borges, MD Chefe exalta a identidade do rap carioca, reforçando a ascensão de quem veio da favela sem perder suas raízes. A faixa destaca disciplina, respeito e a construção de um legado, traduzindo o espírito de patriotismo da favela e celebrando a vitória de quem honra sua origem.
Na sequência, a já conhecida “Tiramisú”, transforma uma noite na zona sul carioca em um cenário cinematográfico de romance e sedução. MD Chefe mergulha na doçura e intensidade de uma conexão irresistível, embalado pelo clássico “Nega Olívia”, de Bebeto, que resgata a alma boêmia e nostálgica do Rio de Janeiro.
LUXO E LIBERDADE
Outro single do projeto, a faixa-foco “Gostoso & Rico” traduz a confiança e o lifestyle de quem domina o jogo, equilibrando luxo, poder e atitude. MD Chefe celebra o carisma e o sucesso, trazendo um retrato de quem sabe viver bem e oferecer um tratamento exclusivo.
Com rimas afiadas e um beat, a faixa reforça a estética do disco, destacando o requinte da cena litorânea e a influência do rap na cultura do alto padrão. Entre referências ao Rio de Janeiro, à moda e ao prestígio, a música encapsula a essência de quem transforma status em estilo de vida.
Já “Só Pra Você”, com participação de Ítalo Melo, é um convite ao desejo e à exclusividade. Entre suítes cinco estrelas e promessas de momentos inesquecíveis, a faixa explora a química entre status e intensidade, reforçando o conceito de uma vida fora da zona de conforto, onde prazer e requinte andam lado a lado.
A faixa-título, “Garbo & Elegância”, convida para um universo de luxo e liberdade. Nele, encontros marcados por jantares sofisticados e vistas deslumbrantes se misturam à confiança de quem sabe o que quer. O protagonismo é de quem valoriza o requinte sem abrir mão da própria essência, criando um equilíbrio perfeito entre desejo e exclusividade.
MANIFESTO E RESISTÊNCIA
Fechando o álbum com força e mensagem, “Tá Duro, Dorme” é um manifesto de resistência e dignidade. A música denuncia abusos de poder e reafirma a postura de quem não se curva diante de imposições. Com um flow incisivo e rimas afiadas, MD Chefe expõe a realidade de quem ascendeu sem esquecer de onde veio, enfrentando desafios com sagacidade e impondo respeito.
A faixa, inclusive, conta com sample do clássico “Eu Sou 157”, do grupo Racionais MC’s. MD Chefe explica: “Esse álbum é uma grande celebração do rap que me formou e que ainda me inspira. É muito maneiro poder somar com artistas que eu admiro e que representam a nova geração do som de verdade. O uso do sample do Racionais é reflexo disso. É uma referência direta à raiz do rap nacional, uma forma de mostrar que a gente sabe de onde veio e para onde quer ir. ‘Garbo & Elegância’ é isso: respeito ao passado, visão de futuro e muito orgulho do que estamos construindo agora”.